“Pago psicólogo pra lidar com os doidos” nunca fez tanto sentido - e isso é um alerta.
Esses dias, fui a um aniversário infantil. Tudo certo, decoração linda, crianças correndo, brigadeiro no ponto, mães trocando olhares cúmplices do tipo “segura o copo que eu vou atrás do meu que sumiu”. Até que presenciei uma cena que, confesso, me deixou reflexiva - e triste.
A filha de uma amiga minha levou um empurrão de outra criança. Nada de brincadeira. Foi agressão mesmo. A mãe da menina agredida, ainda tentando manter o equilíbrio, foi conversar com a mãe da outra criança e com a própria criança. E a resposta? A mãe, sem dar muita atenção, disse: “Filha, pede desculpa.” E a criança respondeu, com desdém: “Eu não.” E simplesmente saiu andando. Sem uma conversa. Sem um olhar. Sem uma consequência. Sem um mínimo de acolhimento ou direção.
Ficou uma frustração no ar que nem a música da Galinha Pintadinha conseguiu suavizar. E voltando pra casa, com minha filha no banco de trás, me veio a frase que já escutei em tantos lugares - e que nunca fez tanto sentido quanto agora:
“Eu pago psicólogo pra lidar com os doidos que vocês não sabem criar.”
Sim, é duro. Mas é real.
Família se faz à mesa - e não no automático
O problema não é o empurrão, isoladamente. O problema é o que representa. Estamos criando crianças sem bússola, sem limite, sem senso de responsabilidade. Crianças que não são corrigidas quando erram, que não escutam "não", que não aprendem a reparar, refletir ou sentir empatia.
Crianças que crescem com o “é só uma criança” como escudo para comportamentos que são, sim, violentos.
E, vamos ser honestas, nem toda criança é inocente - mas toda criança é reflexo de algo. E o reflexo da negligência emocional se tornou uma epidemia invisível.
Hoje, crianças minimamente estruturadas estão sendo punidas, excluídas ou prejudicadas nas escolas porque o sistema não sabe o que fazer com as desestruturadas.
Se o seu filho é educado, sabe dividir, entende regras, se comunica com clareza, ele é quem “causa problema”, porque está sempre tentando remediar o que os outros fazem - ou pior, sendo afetado diretamente.
É desgastante criar um filho num mundo em que os pais dos outros não estão criando os próprios filhos.
E cada vez mais, a primeira comunidade da criança, que deveria ser a família, está terceirizada: babás, telas, professores.
Mas a criança não nasce com manual emocional. Ela aprende pelo espelho. E se em casa não tem conversa, não tem escuta, não tem correção com amor - ela vai sair pelo mundo achando que tudo é permitido. Que tudo gira ao redor dela. Que os sentimentos dos outros não importam.
A série da Netflix (e a realidade dura que ela mostra)
Recentemente, viralizou uma série na Netflix - Adolescente que trata justamente disso: um menino aparentemente "certinho", de uma família funcional aos olhos da sociedade, mas emocionalmente negligenciado.
Sem espaço para sentir, para errar, para ser ouvido.
O resultado? Desvios graves de comportamento e um pedido de socorro disfarçado de rebeldia.
Porque criança maltratada chora.
Mas criança negligenciada age. E às vezes, o comportamento é o único jeito dela gritar: “Alguém me vê?”
Não é sobre ser a mãe perfeita. É sobre ser presente.
Essa reflexão não é pra te culpar. Pelo contrário. É pra tirar esse peso absurdo de perfeição que colocaram sobre a maternidade.
Porque mais vale uma mãe que senta com o filho e diz: “Olha, o que você fez foi errado. Você vai pedir desculpa com o coração e vai entender o porquê” do que uma mãe que finge que nada aconteceu para preservar a imagem de “boa mãe” na frente dos outros.
Educar dá trabalho. Exige presença.
Mas é um trabalho que a gente não pode terceirizar.
E se você é a mãe que tem um filho agredido, aqui vai o meu abraço - e meu conselho.
Ensine seu filho a se posicionar com respeito: "Eu não gostei que você fez isso comigo."
Valide os sentimentos dele: "Está tudo bem ficar triste ou com raiva, mas vamos conversar sobre o que aconteceu."
Reforce o valor da integridade: "Mesmo quando ninguém está olhando, a gente escolhe fazer o certo."
Diga que nem todo mundo vai tratá-lo como ele merece, mas ele sempre pode escolher o que fazer com isso.
A mudança começa na nossa mesa, na nossa escuta e na nossa disposição de ver nossos filhos como eles são - e como eles podem se tornar.
Não adianta escola excelente, brinquedo educativo, nem psicólogo de ponta, se a criança não tiver base emocional e segurança afetiva dentro de casa.
A criança que agride é uma criança ferida. Mas isso não justifica, apenas explica. E cada explicação tem que vir acompanhada de atitude. Dos pais. Não da vítima.
Vamos parar de fingir que está tudo bem. Vamos olhar com coragem. Vamos criar com propósito.
JB.