O caso Melissa Campos e o retrato de uma geração emocionalmente abandonada
Semana passada, um nome ecoou com tristeza e revolta nos grupos de mães, nas redes sociais e nas rodas de conversa, e que me levou a escrever sobre a violência escolar: Melissa Campos, 14 anos, aluna de uma escola particular em Uberaba, Minas Gerais, foi assassinada dentro da sala de aula por um colega da mesma idade.
O motivo? Segundo o próprio agressor, ele tinha inveja dela.
Inveja.
Melissa era amada. Inteligente. Tinha amigos. Tinha brilho.
E isso bastou para um menino, da mesma idade, decidir matá-la - friamente, com uma tesoura que levou escondida para a escola.
Essa frase, por si só, já deveria parar o país.
Mas infelizmente, não é um caso isolado.
Ele é o ponto alto de um acúmulo de histórias abafadas, minimizadas, ignoradas - até que uma delas vira tragédia.
Melissa Campos, 14 anos, assassinada por colega de sala, dentro da escola particular em Uberaba, MG.
Mas o que leva um adolescente a matar um colega por ‘inveja’?
A resposta não cabe em uma frase.
Mas ela começa com abandono emocional.
Porque um adolescente que mata, é um adolescente que já estava morrendo por dentro há muito tempo.
E provavelmente, começou a morrer ainda criança.
No silêncio.
No quarto escuro.
Na ausência de conexão.
Na exposição descontrolada a telas.
Na comparação constante.
Na carência de limite.
No excesso de estímulo e falta de presença.
A série "Adolescência", da Netflix, já alertava: as nossas crianças não estão bem.
Quem assistiu, sabe: é impossível ver a série e sair ileso.
Cada episódio escancara o que a psicanálise já grita há décadas:
os adultos não estão sustentando o psiquismo das crianças.
Faltam pais presentes, afetivamente estáveis, capazes de colocar limites e acolher frustrações.
Falta escuta.
Falta rotina.
Falta tempo.
E o que sobra é:
exposição a conteúdo violento e sexual sem filtro,
falta de noção da realidade,
distorção da identidade,
e crianças e adolescentes sozinhos, tentando encontrar sentido num mundo que não tem tempo pra eles.
A terceirização da infância está nos custando vidas.
Nossos filhos estão sendo educados pelo TikTok.
Estão sendo moldados por influenciadores, por algoritmos e por colegas igualmente perdidos.
A escola, mesmo particular, não dá conta.
O estado, muito menos.
Mas é mais fácil terceirizar.
É mais fácil entregar o celular e pedir silêncio.
É mais fácil culpar o sistema do que rever sua rotina.
É mais fácil apontar o dedo do que aceitar que a dor de hoje foi construída ontem, por todos nós.
A violência entre crianças e adolescentes não começa do nada.
Ela começa quando uma criança grita e ninguém escuta.
Quando ela empurra e ninguém ensina.
Quando ela mente e é ignorada.
Quando ela é cruel com o colega e os adultos justificam.
Ela cresce quando os pais não querem conflitos.
Quando preferem agradar do que educar.
Quando evitam dizer “não” para não lidar com o choro. Quando recompensam o péssimo convívio escolar com viagens a Disney.
E então, um dia, essa violência explode.
Na escola.
Num shopping.
Num quarto.
Numa sala de aula.
E todos se perguntam:
“Como chegamos aqui?”
Mas a pergunta verdadeira deveria ser:
“Por que ignoramos tantos sinais?”
Um adolescente que mata, é o retrato de um sistema que falhou.
A pergunta não é apenas “como punir”.
A pergunta mais honesta é:
“Quantos adolescentes como esse estão entre nós hoje? Morrendo por dentro? E ninguém percebeu?”
Já chega.
Já chega de romantizar infância sem limite.
Já chega de fazer vista grossa à violência disfarçada de “fase”, “coisa normal de criança”.
Já chega de projetar adultos que aguentem tudo, mas que nunca aprenderam nada sobre si mesmos.
A infância não é terreno livre.
A adolescência não é terra de ninguém.
Ambas são fases que exigem presença, escuta, limite e amor.
E tudo isso começa em casa.
O que você pode fazer hoje?
Revise o tempo de tela do seu filho.
Pergunte como ele está - e escute com o coração aberto.
Coloque limites, mesmo que ele chore.
Reavalie o conteúdo que ele consome.
Crianças e Adolescentes não tem “direito a privacidade”.
Esteja presente, mesmo que por pouco tempo.
Não espere a escola fazer o que é sua função.
Melissa não volta mais.
Mas outras tantas ainda estão vivas.
Ainda estão no começo.
Ainda dá tempo.
A responsabilidade de criar uma geração saudável é nossa.
Não do estado.
Não da escola.
Não do algoritmo.
É nossa.
E o tempo é agora.
De uma mãe que escreve esse texto com o coração na mão, enquanto a minha Melissa está correndo pela casa atrás do cachorro,
JB.